terça-feira, 4 de novembro de 2014

A Critica Social em João Cabral de Melo Neto - Breves aspectos em "Morte e Vida Severina", "O Cão sem Plumas" e "O Rio"



Uma das funções dos textos de João Cabral de Melo Neto é a crítica social, que se faz presente em Morte e vida severina, O cão sem plumas e O Rio.  Nos três, percebemos que a crítica é voltada para a mesma sociedade, já que os problemas ressaltados são os mesmos: a miséria social e os aspectos que ela engloba.
Em Morte e vida severina, percebemos que a miséria faz com que Severino procure melhores condições de vida, longe da seca, da fome, da exclusão, da morte. No caminho para Recife, só encontra morte. E, na cidade grande, percebe que não importa aonde vá, o problema está em todos os lugares.


__Mas o que se vê não é isso:
É sempre nosso serviço
Crescendo mais cada dia;
Morre gente que nem vivia.
__E esse povo lá da riba
De Pernambuco, da Paraíba,
Que vem buscar no recife
Poder morrer de velhice,
Encontra só, aqui chegando
Cemitérios esperando.
__Não é viagem o que fazem,
Vindo por essas caatingas,vargens;
Aí está o seu erro:
Vêm é seguindo seu próprio enterro.
 (p. 191)


Severino, então, decide suicidar. Porém, encontra Seu José, mestre carpina, que vai lhe mostrar que a vida é mais importante.

__Severino, retirante,
Não sei bem o que lhe diga:
Não é que eu espere comprar
Em grosso de tais partidas,
Mas o que compro a retalho
É, de qualquer forma, vida.
(p.195)



Em O cão sem plumas, notamos que o rio Capibaribe, que corta a cidade de Recife em dois extremos, de um lado ricos, e de outro, pobres, vai ser comparado às pessoas sem recursos financeiros. É o que constatamos, como nos trechos seguintes:


Aquele rio
Jamais se abre aos peixes,
Ao brilho,
À inquietação de faca,
Que há nos peixes,
Jamais se abre em peixes.

Abre-se em flores
Pobres e negras
Como os negros;
Abre-se numa flora suja e mendiga
Como são os mendigos negros.
Abre-se em mangues
De folhas duras e crespos
Como um mendigo.
(p. 105-106)


Nestes trechos, observamos que o rio é poluído, como as pessoas daquela região. Poluídas no sentido de sujas, marcadas, desprezadas. Que esse rio não se abre aos peixes, porque peixe simboliza abundância e felicidade. Não se abre em brilho, porque vive na escuridão, assim como aqueles habitantes.
Vemos, então, mais uma vez a miséria social, tratada pelo autor.



Em O rio, a crítica é a mesma. Todavia, a população já não habita ao redor do rio, e sim dentro dele. As casas são perpassadas por ele e por isso ele é “seu companheiro mais íntimo”. O eu-lírico do poema é o próprio rio, que fala de si e de suas experiências com aquela população, que se torna parte dele.

A não ser esta cidade
Que vim encontrar sob o Recife;
Sua metade podre
Que com lama podre se edifica.

(...)

Conheço toda essa gente
que deságua nestes alagados.
Não estão no nível do cais,
Vivem no nível da lama e do pântano.


É gente que, como em Morte e vida severina, não tem identidade. Que, por não ter onde viver, precisa construir sua casa dentro do rio. Gente, cuja miséria é total. É uma população que quer mudar de vida, mas não vê solução, pois, como vemos em Morte e vida severina, existem os que tem, que são os latifundiários, e os que não tem, que é a maioria da população, cuja parte que lhe cabe do latifúndio, é uma pedaço de chão para ser enterrado.


Gente que sempre me olha
Como se, de tanto olhar,
Eu pudesse o milagre
De, um dia ainda por chegar,
Levar todos comigo,
Retirantes para o mar.


            Todavia, apesar de tanto sofrimento, nas três obras, o escritor mostra uma esperança, ainda mínima, de que a situação tratada, possa ser revertida, como vimos no trecho anterior, e como vemos nos seguintes:

E não há melhor resposta
Que o espetáculo da vida:
Vê-la desafiar seu fio,
Que também se chama vida,
Ver a fábrica que ela mesma,
Teimosamente, se fabrica,
Vê-la brotar como a pouco
Em nova vida explodida;
Mesmo quando é assim pequena
A explosão, como a ocorrida;
Mesmo quando é uma explosão
Como a de há pouco, franzina;
Mesmo quando é a explosão
De uma vida severina.
(Morte e vida severina, p.202)

Porque é muito mais espessa
A vida que se desdobra
Em mais vida,
Como uma fruta
É mais espessa
Que sua flor;
Como a árvore
É mais espessa
Que sua semente;
Como a flor
É mais espessa
Que sua árvore,
Etc. etc.

Espesso,
Porque é mais espessa
A vida que se luta
Cada dia,
O dia que se adquire
Cada dia
(como uma ave
Que vai cada segundo
Conquistando seu vôo).
(O cão sem plumas, p.116)

Outro elemento recorrente nas três obras é o rio Capibaribe, que corta a cidade do Recife.  O rio, na primeira obra é o guia de Severino, que sai da Paraíba para o Recife e se guia por esse rio. Porém, como ele está se mudando no verão, o rio seca. Então, temos aí um rio seco, símbolo de viagem cansativa, desnorteada e com muitas mortes pelo caminho, uma vez que água simboliza a vida.
Na segunda obra, o rio é comparado às pessoas daquela região, que, como dito anteriormente, são poluídas, negras, sem brilho. A história do rio se confunde com a história do povo e vice-versa.
Na terceira obra, o rio conta a história da população, que vive dentro dele e que faz parte dele.
Nos três percebemos que o rio possui um nome, que é Capibaribe, mas a população não tem identidade, não tem nome, não tem vez. O rio mescla-se às pessoas, faz parte de suas histórias e é elemento indispensável nas obras citadas.

Assim, podemos concluir que as obras aqui tratadas fazem crítica à miséria de uma população que nasce para morrer, mas que sempre tem a esperança de mudar seu destino. Notamos, assim, a genialidade deste escritor, João Cabral de Melo Nelo, que de uma realidade feia fez poesia.

Por: Maíra Vanessa Nunes

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Bilhete (Mário Quintana)

Hoje compartilho um poema que gosto muito, que é para mim uma antítese entre crer no amor e não crer em "para sempre". Digo isto, pois o eu-poético parece não acreditar nessas coisas, como em  "E viveram felizes para sempre", "Até que a morte os separe" e amores eternos entre enamorados. Nem em declarações de amor gritantes, serenatas etc. Embora, apesar de tudo, na minha humilde opinião, não tire a possibilidade (do eu-lírico) de viver um amor.
Será que crer no caráter finito dos sentimentos, principalmente do amor, é algo ruim?
E crer que durará pela eternidade é sempre ilusão?
Bom, o que ninguém pode negar é que depois de sofrer desilusões amorosas, o ato de amar novamente tem de ser "bem devagarinho".
E você, o que pensa sobre o poema?






Bilhete
(Mário Quintana)


Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...


sexta-feira, 30 de maio de 2014

Drama (Carlos Queiroz Telles)

Hoje eu gostaria de compartilhar um poema de Carlos Queiroz Telles que eu gostava muito quando criança. Constava em um livro de Língua Portuguesa que eu havia ganhado de alguém. Não me recordo o nome do livro e nem de quem o ganhei, mas sou perfeitamente capaz de recordar-me os sentimentos experimentados ao reler e reler este poema.

É um prazer compartilhá-lo.






Drama



Eu sei que ela é como eu.
Afinal, a gente se conhece
desde o dia em que nasceu.
Pai vizinho, mãe comadre,
mesma rua, mesma infância, 
mesma turma , mesma escola.


Eu sei que ela é como eu.
Brinquedos e jogos iguais,
passeios de bicicleta,
aventuras de quarteirão . 
Repartidas descobertas,
segredos a quatro mãos.


Eu sei que ela é como eu
E sei também, por saber 
de ideia e de coração,
que por mais que ela disfarce 
gosta de mim pra valer,
não só como irmã ou como amiga .
Então por que (eu pergunto)
faz de conta não querer
ser minha namorada?


Sendo assim tão como eu 
não é justo me trocar 
por um idiota grandão,
só porque eu não sou mais velho
do que a nossa emoção.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Há preciosidades que só olhos bem treinados podem perceber



Há preciosidades que só olhos bem treinados podem perceber
Há tesouros que só podem 
Ser encontrados, há quem diga que, ao acaso
Há quem diga que entregues pelo destino
E há aqueles que dizem ser obra das mãos do Criador
.
Sorte? 
Merecimento?
Era para ser!

Porque 
Nem todas as coisas podem ser compradas
Nem tudo pode ser roubado
Tirado, emprestado ou vendido
Há dádivas que só podem ser oferecidas 
Espontaneamente

Por isso
Não alugo
Não vendo
O que eu tenho de melhor 
Deve ser dado livremente
Para quem livremente tenha encontrado 
O melhor em mim.